Orientador: Prof(a). Dr(a). Aniela Improta França
Páginas:125
Resumo
Quando bebemos um refrigerante, não percebemos que estamos nos refrigerando. Na verdade, a
palavra refrigerante vem de refrigerar, mas provavelmente não percebemos mais isso. Será,
porém, que a nossa faculdade de linguagem guarda alguma memória daquela relação linguística
que era transparente em séculos passados, mas que hoje se tornou opaca? Caso seja esse o caso,
se apresentarmos a palavra refrigerar a um participante de um experimento, isso poderia ajudar
no acesso à refrigerante, que seria apresentado a seguir.
Assim, no presente trabalho, avaliamos o acesso lexical de palavras que são, hoje,
semanticamente opacas em relação àquelas que as originaram. Nosso objetivo é verificar se essas
palavras possuem identidade morfológica entre si ou se a distância diacrônica entre as duas nos
faz ajustar suas raízes e, assim, abrir diferentes entradas em nosso léxico mental (STOCKALL;
MARANTZ, 2006; FRANÇA, 2008).
Para verificar isso, realizamos experimentos comportamentais e neurofisiológicos com EEG, para
avaliar o custo do processamento que sucede os milissegundos da compreensão do onset de uma
palavra. Tendo a decisão lexical como tarefa experimental, lançamos mão de um paradigma de
priming aberto multimodal com SOA longo, por serem essas condições que aparentemente inibem
o acesso decomposicional a targets semanticamente opacos (HEYER; KRONISHOVA, 2018).
Tivemos como variáveis dependentes o tempo de resposta comportamental, a taxa de acurácia da
resposta comportamental e as amplitudes de onda do componente neurofisiológico N400 (300 a
500ms após onset do target). Como variáveis independentes, tivemos i) o tipo de relacionamento
entre prime e target: morfológico intacto (refrigerar-refrigeração), morfológico mas
semanticamente obscuro (refrigerar-refrigerante) ou nenhum relacionamento (refrigerar-cadeira);
e ii) a quantidade de camadas morfológicas dos targets: 1 camada (refrigerar-refrigeração) ou 2
camadas (refrigerar-refrigerantezinho).
Ambos os nossos resultados comportamentais e neurofisiológicos apontaram um maior custo de
acesso lexical para refrigerante, quando comparado a refrigerar, indicando que essas palavras não
possuem identidade morfológica entre si. Interpretamos esse resultado como denotativo de uma
espécie de Garden Path lexical que pode ser levado no início a levantar a hipótese de identidade
entre prime e alvo, mas logo tem que ajustar a aposta para um outro contrato semântico.
Lançamos mão da teoria da Morfologia Distribuída (HALLE; MARANTZ, 1993) para explicar melhor
esses resultados: a herança do prime falharia e, quando nosso parser percebe o Garden Path, ele
retorna à Enciclopédia para renegociar o sentido da nova raiz diante da qual percebeu estar. Por
fim, obtivemos resultados contrastantes entre o teste comportamental e o neurofisiológico no
que diz respeito ao custo de processamento de palavras com diferentes quantidades de camadas
morfológicas. O primeiro, que avalia um wrap-up do processamento da palavra, se mostrou sujeito
a um efeito de tamanho de palavra: quanto mais camadas, mais custoso é o acesso lexical,
conforme prevê a hipótese do Affix Stripping (TAFT; FOSTER, 1975). Já o EGG, que capta o
processamento de camadas internas à palavra, não demonstrou diferença no processamento de
palavras com uma ou duas camadas morfológicas, quando essas palavras têm a história
derivacional, ou seja, compartilham o merge entre raiz e o primeiro morfema categorizador. Este
merge caracteriza o que conhecemos como o ponto da arbitrariedade saussuriana e o
compartilhamento deste ponto caracteriza o status de identidade lexical.