A estratégia do redobro de possessivos no português e no francês: uma análise comparativa

RESUMO
O presente estudo se propõe a analisar a estrutura possessiva seu N dele, que aparece em
textos do português arcaico (PA) tratados por Mattos e Silva (1989, 1993), Miguel (2002),
Castro (2006) e Torres Morais e Ribeiro (2014) e também em obras literárias do século XIX,
como observado por gramáticos como Bechara (2009) e Cunha e Cintra (2008); além da
construção possessiva son N à lui (e suas variações de pessoa) tratadas por Langacker (1968),
Kayne (1975, 2000) e Zribi-Hertz (1999) e que parecem ter surgido no francês moderno (FM),
mas se limitam ainda a contextos de fala. Esta estrutura é o que chamamos de redobro de
possessivos e, diferente do que ocorre em francês moderno, ela não é mais produtiva no
português moderno, tanto brasileiro quanto europeu, e nunca ocorreu no francês antigo. Este
fato gerou uma curiosidade sobre o porquê de esta construção possessiva ocorrer em uma
língua e não na outra. Por isso, foi feita a análise de cada elemento envolvido no redobro, a
fim de averiguar se eles têm as mesmas propriedades sintáticas e se as mesmas razões
sintáticas motivam o uso desta estrutura, à luz da teoria de Cardinaletti e Starke (1999),
Cardinaletti (1998), Castro (2006), Torres Morais e Ribeiro (2014), Kayne (1975, 2000) e
Zribi-Hertz (1999). Além disso, para se confirmar a presença do redobro de possessivos no
PA e no FM e construir minha própria teoria sobre seu uso, foram consultadas duas bases de
dados: o Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (UNICAMP) e o Clapi FLE – Corpus
de langues parlées en interaction. Nelas, foi confirmado o uso do redobro em textos do PA,
mas também em textos que vão do século XVI ao XIX, de autores portugueses e brasileiros.
Além disso, também foi constatado o uso desta estrutura em situações reais de comunicação
em língua francesa moderna. As hipóteses que levantei, portanto, em relação ao
desaparecimento do redobro de possessivos em português moderno e seu surgimento no
francês moderno foram: (i) o status de elemento forte, fraco e clítico influencia o uso da
construção, tendo em vista que em PA ela é realizada com pronomes fracos e fortes, seu e
dele, respectivamente, enquanto em FM ela é a combinação de elementos clíticos e fracos,
mon/ton/son e à moi/à toi/à lui, e ocorre em outras línguas que também possuem possessivos
clíticos, como o espanhol e o italiano; (ii) o fato de o PB estar perdendo seus elementos
clíticos pronominais de terceira pessoa são uma evidência de que não há redobro nessa
variedade, embora haja em PE; (iii) a mudança no paradigma dos pronomes do PB e do PE,
com a entrada de você, de alguma forma influencia no desaparecimento da construção no
português moderno. A partir dessas premissas, portanto, apresentarei minha análise com base
no programa minimalista de Chomsky (1995), destrinchada por Hornstein, Nunes e
Grohmann (2005), levando em consideração os traços-phi de cada possessivo envolvido na
construção.
Palavras-chave: redobro; possessivos; clíticos; francês; português; traços-ф.

ABSTRACT
This study analyses doubling possessive structures such as seu N dele – attested in Old
Portuguese (OP) by Mattos e Silva (1989, 1993), Miguel (2002), Castro (2006) and Torres
Morais and Ribeiro ( 2014), also found and in 19th century literary work, as noted by
grammarians such as Bechara (2009), and Cunha and Cintra (2008). Possessive doubling –
son N à lui (and its variations of person) – is also present in spoken Modern French (MF), as
discussed in Langacker (1968), Kayne (1975, 2000) and Zribi-Hertz (1999). Unlike MF,
however, possessive doubling is no longer part of modern Brazilian and European Portuguese,
as it never was in Old French. In order to pursue the reasons why this possessive construction
occurs in some varieties but not in others, an analysis of each element involved in the
doubling structure was carried out. In the light Cardinaletti and Starke (1999), Cardinaletti
(1998), Castro (2006), Torres Morais and Ribeiro (2014), Kayne (1975, 2000) and Zribi-Hertz
(1999), the main aim of this work consisted in verifying whether the doubling structures have
similar syntactic properties, and if the same syntactic reasons motivate possessive doubling.
In addition, to confirm the presence of possessive doubling in OP and MF, as well as to
develop my own analysis about its use, two databases were consulted: the Corpus Histórico
do Português Tycho Brahe (UNICAMP) (Tycho Brahe Historical Portuguese Corpus) and the
Clapi FLE – Corpus de langues parlées en interaction (Corpus spoken languages in
interaction). The presence of possessive doubling in OP was confirmed, but this strategy was
also found in texts written by Portuguese and Brazilian authors ranging from the 16th to the
19th century. Additionally, this structure was attested in real communication situations in
modern French. I am assuming the disappearance of the possessive doubling in modern
Portuguese and its emergence in modern French were due to: (i) the influence of the status of
strong, weak and clitic elements in possessive doubling constructions, considering that in OP
seu and dele are weak and strong pronouns, respectively, while possessive doubling in MF is
a combination of clitic and weak elements, i.e., mon/ton/son and à moi/à toi/à lui, considering
that this phenomenon also occurs in other languages that also have possessive clitics, like
Spanish and Italian; (ii) the fact that BP is losing its third person clitic elements is evidence
that there is no doubling in this variety, while it is a marginal phenomenon in EP; (iii) the
change in the paradigm of BP and EP pronouns, with the entry of você among other facts, has
influenced in the disappearance of the possessive doubling construction in modern Portuguese.
Based on these premises, I analyze the possessive doubling based on Chomsky’s (1995)
minimalist program, as presented by Hornstein, Nunes e Grohmann (2005), taking into
account the phi-features of each possessive involved in the construction.
Keywords: doubling; possessives; clitics; French; Portuguese; phi features.

Categorias: Dissertações
Autor: Hannah Manes e Morais